terça-feira, 18 de setembro de 2012

Hospital de São José / Igreja do Socorro


Hospital de São José
Dom José, o primeiro de Portugal, mandou anunciar que tinha decidido «fazer perpettua irrevogavel Doação da Igreja e Collegio (de Santo Antão) com todos os edifícios interiores, officinas e cercas e tudo o mais que se acha dos muros da dita caza para dentro sem limitação
alguma ao hospital»
que viria a adoptar o nome de São José.
Apesar da importância histórica da doação, há muito que se previa tal decisão porque além de funcionar, parcial e deficientemente, o Hospital Real de Todos os Santos ficara mortalmente danificado com o terramoto de 1755.
Herdeiro dos privilégios e tradições do Todos os Santos, o Hospital de São José seria instalado o mais próximo possível do seu predecessor, tendo sido por isso escolhidas as instalações do Colégio de Santo-Antão-o-Novo, que pertencera aos Jesuítas e que se encontrava desocupado há pelo menos seis anos, desde que o Marquês de Pombal os banira de Portugal.
Considerado como um dos maiores conjuntos edificados em Lisboa, o Hospital de São José herdou dos Jesuítas um conjunto de construções em grande parte arruinado pelo Terramoto.
Construído em 1589, segundo traço do arquitecto Baltasar Álvares, o Colégio dos Jesuítas foi afectado em alguns pontos pela catástrofe de 1755, sendo de referir a lamentável perda da igreja, que se diz ter sido uma das mais belas do seu tempo. Desconhecida para a maioria das pessoas e muito interessante do ponto de vista histórico é a narrativa da construção do Colégio de Santo-Antão-o-Novo.
História repleta de peripécias com episódios hilariantes, as origens do edifício onde actualmente funciona o Hospital de São José começa quando os Jesuítas, que possuíam já um Colégio igualmente consagrado a Santo Antão no local onde hoje vemos a Igreja do Coleginho, nas traseiras da Mouraria, resolveram que era tempo de construir novo instituto porque naquele local já era difícil expandirem-se.
O Cardeal Infante Dom Henrique foi o principal impulsionador da ideia, tendo mandado comprar umas casas que havia junto ao Arco da Graça, juntando-lhe outras construções e terrenos doados por Dona Filipa de Sá, 3ª Condessa de Linhares.
O próprio rei Dom Sebastião contribuiu para o novo colégio, ordenando à Câmara de Lisboa que cedesse à Companhia de Jesus uma parte do Campo de Sant'anna para ali se formar a cerca do novo estabelecimento.
No entanto, segundo documentos da época, os terrenos cobiçados pelo Jesuítas e que Dom Sebastião tão pronta e levianamente oferecia aos padres da Companhia de Jesus, estavam na altura ocupados por uma série de casas e pardieiros humildes que constituiam o chamado Bairro de Sant'anna.
É aqui que começam as dores de cabeça dos Jesuítas.
Aparentemente, dois factores explosivos contribuiram na altura para o reboliço que se seguiu: o bairrismo proverbial dos bairros lisboetas de então, por um lado, e a presença de um padre tempestuoso e decidido, que instigava as populações locais a boicotarem o empreendimento, por outro.
Assim que começaram os trabalhos de demarcação dos terrenos, a população enfurecida começou a atirar pedras contra os trabalhadores enquanto o terrível padre, confessor das freiras de Sant'anna, arremessava conjuras e maldições que fariam tremer o menos supersticioso dos operários. Deste modo, estiveram as obras paradas por muito tempo, sem que alguém estivesse disposto a arriscar-se a subir ao sítio de Sant'anna, até que eclode a tragédia de Alcácer-Quibir e o Cardeal Dom Henrique assume a regência do país.
Como protector da Companhia de Jesus, o cardeal não levou muito tempo a pressionar o andamento das obras.
Apesar disso, o lançamento da primeira pedra, efectuado no dia 11 de Maio de 1579, foi realizado de modo discreto, quase a medo.
Segundo Baltazar Telles, cronista dos Jesuítas, parecia mais prudente aos homens de Loyola evitar nessa altura quaisquer confrontações « porque de começada a obra, facilmente se impede, mas depois de principiada, posto que se cançem, já a não podem derrubar».
Porém, ao contrário do que se esperava, os populares de Sant'anna não perdiam «pitada» do que se passava e assim que se aperceberam das intenções dos Jesuítas sairam a correr à pedrada aos pobres trabalhadores.
A colina onde se situa actualmente o Hospital transformou-se rapidamente num campo de batalha e a construção do colégio voltou a cair num absurdo (e ridicularizante) impasse.
Tanto mais embaraçosa era a situação quanto, dias após dia, o apoio popular em torno da causa de Sant'anna crescia, com a aglomeração (no actual Campo Mártires da Pátria) de milhares de habitantes de outros bairros dos arredores.
Nessa altura, já já não era apenas as casas a derrubar, mas todo o projecto em si que estava em questão.
Diziam os manifestantes que não era digno de um país enlutado pela morte do Rei «Desejado» que se fizessem monumentos luxuosos e magnificientes como aquele e que, com os cofres esvaziados pela louca aventura de D. Sebastião, fosse gasta uma fortuna num colégio quando os Jesuítas já tinham outro.
Os homens de Loyola, no entanto, conseguiam maneira de fugir ao cerco ao descobrirem a existência de areia e alvenaria no interior da obra que lhes permitia continuar os trabalhos sem ter de passar pela população em pé de guerra.
Para ajudar a causa dos Jesuítas, nessa mesma altura foi nomeado como «presidente» da Câmara de Lisboa um homem muito respeitador, influente, principalmente entre as classes mais desfavorecidas: Dom Pedro de Almeida. Diz-se que o novo «autarca» foi falar à população procurando dissuadi-la da inevitabilidade da construção e (qual político moderno em campanha eleitoral) pegou numa enxada e foi ajudar os operários sitiados.
A obra, no entanto, seria interrompida de novo em 1580 por morte do Cardeal (de quem dependia pessoalmente grande parte do dinheiro utilizado na construção do Colégio), pelo que, conforme podiam os Jesuítas foram construindo o seu novo estabelecimento de ensino.
Finalmente, no dia 5 de Novembro de 1593, o novo Colégio de Santo Antão é inaugurado, embora as obras prossigam e o edifício só venha a estar definitivamente concluído 59 anos depois, graças ao dinheiro posto à disposição pela Condessa de Linhares.
Segundo documentos da época, a mudança do hospital das antigas instalações da Praça da Figueira para o Colégio de Santo-Antão-o-Novo foi feita em tempo tão curto (para os nossos dias) que ficou como um acontecimento notável.
De acordo com o relatório do primeiro enfermeiro-mor do Hospital de São José, foi apenas em três dias, entre «3/4/5 de Abril de 1775, por ordem de Sua Majestade Fidelíssima, o Senhor Rey Dom José o primeiro, (que) se mudarão os doentes do Hospital Real de Todos os Santos, que existia no citio do Rocio, para o novo Hospital Real de San Jose (...) sendo feita esta sem perigo algum dos doentes, e sem fazer despesa alguma...»
Para o conseguir, toda a cidade de Lisboa movimentou-se nestes três dias.
Nobres, pessoas caridosas e irmãos da Misericórdia conduziram macas e esquifes transportando os doentes.
Os religiosos dos conventos de Lisboa ajudaram carregando os doentes aos ombros e aqueles que se encontravam em pior estado tinham à disposição coches e berlindas cedidas por nobres e ricos.
O hospital, que conforme o relatório do enfermeiro-mor adoptou desde o início a designação de São José em homenagem, segundo alguns autores, ao santo patrono do monarca (ou, de acordo com outros, ao próprio rei Dom José), foi ampliado e remodelado a partir de 1811, com a inauguração dos primeiros quartos particulares destinados a homens.
Apesar das novas enfermarias, dos edifícios ampliados e das salas mal iluminadas e sem ventilação que foram melhoradas, o Hospital debatia-se já nessa altura com uma crónica falta de espaço, pelo que se anexa , em 1841, o antigo Hospital de S. Lázaro, destinado a leprosos.
Oito anos depois, a administração do Hospital de São José é forçada a transferir cerca de 170 alienados que ocupavam as enfermarias de São Teotónio e Santa Eufémia para o então recém-inaugurado Hospital de Rilhafoles.
Em 1857, aglutinou o Hospital do Desterro, instalado no velho Convento de São Bernardo, dando origem à designação de «Hospital Real de São José e seus anexos».
Em 1892 e 1903 seriam igualmente assimilados como «anexos» os hospitais de Arroios e Santa Marta.
O Hospital de Dona Estefânia foi anexado em 1877, seguido de doenças infecciosas do Rego (actual Curry Cabral), em 1906 e do Hospital de Santo António dos Capuchos, em 1928, altura em que o nome de São José já fora preterido em favor de uma designação mais genérica: Hospitais Civis de Lisboa.
Construída para servir de sacristia da Igreja do Colégio de Santo-Antão-o-Novo, a actual capela do Hospital de São José é, sem dúvida, o mais valioso dos edifícios do complexo original sendo considerada uma peça arquitectónica de invulgar qualidade artística, enriquecida com mármores coloridos e decorada com esplenderosos arcazes [grandes arcas com gavetões].
Os Jesuítas, que foram os melhores intérpretes do Maneirismo português, deixaram aqui uma construção sem paralelo em todo o século XVII, especialmente notável pela sua esplêndida abóbada parabólica, com cúpula de quatro secções cilíndricas e caixotões de mármores variados que correspondem aos vãos da parede exterior, do que resulta um efeito de grande riqueza decorativa.
Densamente ornamentada com talha, mármores e quadros, a zona inferior do templo resulta harmoniosamente com as sóbrias pilastras compósitas.
Diz-se que, quando a igreja que aqui existiu, era uma obra deslumbrante com as suas onze capelas e uma colecção valiosa de quadros.
Além da imagem, a óleo, de Santo Inácio de Loyola, que se pensa ter existido na capela-mor, muitos quadros desapareceram durante o Terramoto de 1755, embora alguns (especialmente os que estavam na sacristia) tenham escapado.
Considerada a mais majestosa e vasta igreja de Lisboa, o templo tinha fachada, torres, convento e oficinas de rica pedra de mármore de lioz, e os seus púlpitos eram os mais ricos que se conheciam entre os edifícios religiosos da época.
Além dos dois imponentes túmulos dos fundadores de que versam documentos antigos, os quais deviam estar expostos na capela-mor, o elemento arquitectónico mais frequentemente referido na literatura contemporânea ao Terramoto relaciona-se com o zimbório, um dos melhores de Lisboa.
Este Zimbório e as famosas torres do Colégio ruiram com o templo, a primeira em 1807 e a da direita em 1836, tendo-se aproveitado os blocos de pedra fragmentados para calçada e outras para pedestal de estátuas.
Igualmente de incalculável valor é o vasto conjunto de silhares de azulejos que revestem a escadaria nobre do edifício principal do Hospital.
Manufacturados em meados dos Século XVIII, os azulejos do São José (considerados um dos mais belos e vastos conjuntos da sua época) são do estilo dos «painéis historiados» e relatam cenas de caça e batalhas.
Além da pintura que decora o tecto do piso térreo, um pouco gasta e desbotada, o edifício principal apresenta junto ao portal, um conjunto de sete estátuas de apóstolos, obra de artesãos italianos provenientes igualmente do templo original.
As estátuas encontram-se na actual disposição graças ao enfermeiro-mor D. Francisco de Almeida que as mandou colocar ali em 1811.
Igualmente construídas por ordem deste enfermeiro-mor foram o muro e o pórtico (com a sua magnifica moldura escultórica, constituída por duas peças principais) na entrada que dá para o Martim Moniz, no fim do pátio onde, durante muitos anos, era costume realizar uma grande feira dedicada a São José e a São João.
O Hospital organizou um pequeno Museu e Arquivo Histórico, conserva uma imensa documentação que se estende até datas muito recuadas, entre as quais consta, por exemplo, a ficha clínica do célebre Elmano Sadino (BARBOSA du BOCAGE) que aqui esteve internado durante algum tempo.

Texto retirado do Blog ALFOBRE de Letras


                                                Colégio de Santo Antão-o-Novo


LOCALIZAÇÃO





 

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