A área que actualmente constitui o Bairro Alto foi-se estabelecendo entre os séculos XV e XVII, através da formação de um conjunto de aglomerados urbanos, podendo considerar-se "a primeira urbanização moderna de Lisboa" . Uma das primeiras áreas do futuro Bairro Alto era a Vila Nova de Andrade, construída em meados do século XV nas antigas propriedades do cirurgião judeu Guedelha Palaçano, situadas entre o aglomerado urbano de Cata-que-Farás e a porta de Santa Catarina.
No reinado de Dom Manuel assistiu-se ao crescimento populacional e urbanístico da capital, devido à expansão do comércio marítimo. O monarca estabeleceu então um conjunto de regras urbanísticas e arquitectónicas, que se estenderam a toda a cidade.
Ao longo da primeira metade do século XVI, a Vila Nova de Andrade foi crescendo em número de arruamentos e habitantes, de acordo com as directrizes régias, e em meados da centúria iniciou-se uma nova fase de urbanização da zona alta. A Estrada de Santos, que ligava o Loreto, pela zona do Combro, ao Poço dos Negros, marca a divisão destas duas zonas, e em 1553 a instalação dos Jesuítas em São Roque, originou a deslocação do centro do bairro da antiga Vila Nova de Andrade para o novo Bairro Alto de São Roque. Assim, a partir da segunda metade do século XVI, e até ao final do século XVII, assiste-se a "uma fase de urbanização polarizada pela acção cultural dos Jesuítas" .
A partir de então, o Bairro Alto torna-se um caso ímpar do urbanismo português, uma vez que não só cresce segundo um plano de regularidade "sem paralelo na cidade até ao período pombalino", como porque ao nível social vai crescendo em importância e nobreza, uma vez que se torna um centro cultural ligado ao ensino jesuíta.
O século XVII será o período de consolidação urbanística, arquitectónica e social do bairro, que se tornou uma malha ortogonal regular "em que os quarteirões, embora todos rectangulares, têm proporções e dimensões diferentes conforme se situam abaixo ou acima da antiga estrada de Santos" . Os palacetes e casas senhoriais construídos na época, segundo padrões arquitectónicos eruditos, adaptaram-se tanto à fisionomia das ruas como à tipologia vernácula das habitações já existentes, dando origem a um conjunto arquitectónico harmonioso.
Embora o terramoto de 1 de Novembro de 1755 tenha destruído a zona baixa da cidade, o Bairro Alto foi poupado na maior parte da sua área. Desta forma, o traçado do bairro permaneceu inalterado durante a grande reforma urbanística do período pombalino, embora muitos dos edifícios quinhentistas tenham sido substituídos.
Durante as últimas décadas do século XVIII, o Bairro Alto foi perdendo o seu carácter aristocrático, e embora voltasse a ser habitado por grupos mais populares, acabou por se tornar um dos centros da cidade de Lisboa.
A partir do século XIX, com o crescimento da cidade, foram os limites do Bairro Alto que se renovaram; o estabelecimento de aglomerados urbanos adjacentes levou a que o bairro se fechasse sobre si, afastado tanto das constantes renovações urbanísticas de que a cidade foi objecto ao longo dos séculos XIX e XX, como das transformações estilísticas ao nível da arquitectura.
Desde então, as casas e antigos palacetes do Bairro Alto passaram a hospedar artistas, intelectuais, redacções de vários jornais e estruturas de apoio social e médico, tornando-se também o centro da vida nocturna da cidade.
Desta forma, o Bairro Alto manteve intacta a estrutura urbana quinhentista, resistindo a quatro séculos de transformações urbanísticas da capital, e revelando na sua malha ortogonal os ideais das cidades renascentistas, ao qual se adaptaram os edifícios construídos nos dois séculos seguintes.
Catarina Oliveira
GIF/IPPAR/Junho de 2005
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