«O CELEIRO PÚBLICO DE LISBOA ( 1 ) »
O vasto edifício de três andares, com cerca de 110 metros de comprimento por 30 de largura, ocupando todo o lado Sul da «RUA DO TERREIRO DO TRIGO» e construído em 1765 a 1768, para substituir o «TERREIRO DO TRIGO» ou «TERREIRO DO PÃO» - descrito no Sumário: "pegado
com o mar está a casa do terreiro do trigo, grande e formoso posto em
trinta e dois arcos, repartidos em duas partes por oitenta casas onde se
recolhe todo o pão de que se provê a cidade, e o mais do termo" (1) - de origem «MANUELINO», na construção actual «POMBALINA».
Por ter funcionado até 1777, sob a tutela do «SENADO DA CÂMARA DE LISBOA», ostenta a pedra de armas desta instituição nos cunhais Nordeste e Noroeste.
Hoje, é sede da «DIRECÇÃO DAS ALFÂNDEGAS DE LISBOA E IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO», depois de, durante alguns anos, ter sido o «MERCADO CENTRAL DE PRODUTOS AGRÍCOLAS».
Na versão original, e repetindo a planta do velho «TERREIRO DO PÃO»,
o edifício era construído por duas alas semelhantes e paralelas a todo o
comprimento, separadas por largo corredor a céu aberto e ligado pelas
fachadas Leste e Oeste, de três corpos, em que, no central, de cantaria e
terminando por frontão triangular, se abrem os portões de acesso ao
corredor.
Os carros que transportavam as
mercadorias entravam por um dos lados e saíam pelo outro, contactando,
na passagem, com as lojas dos comerciantes, dispostos de um e de outro
lado do percurso.
A longa fachada voltada ao Norte tem no corpo central, sobre a porta, a seguinte inscrição: JOSÉ:I.
AUGUSTO INVICTO PIO REI E PAI CLEMENTISSIMO DOS SEUS VASSALOS PARA
ASSEGURAR A ABUNDANCIA DE PÃO AOS MORADORES DA SUA NOBRE E LEAL CIDADE
DE LISBOA E DESTERRAR DELA A IMPIEDOSA DOS MONOPÓLIOS
DEBAIXO DA INSPECÇÃO DO SENADO DA CÂMARA SENDO PRESIDENTE DELE PAULO DE
CARVALHO MENDONÇA MANDOU EDIFICAR DESDE OS FUNDAMENTOS ESTE CELEIRO
PÚBLICO ANO MDCCLXVI (1766).
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O
edifício é notável e beneficia de alguns pormenores técnicos originais,
cuidadosamente pensados e executados, patentes em especial no desenho
da fachada virada a Sul, hoje na actual «AVENIDA INFANTE D.HENRIQUE»,
onde à data da sua fundação chegavam as águas do Tejo, as quais,
certamente, na época das cheias, podiam galgar o cais que então existia;
esta circunstância explica o jorramento de cantaria que se observa na
base da fachada. E, como o edifício se destinava a armazéns de trigo,
acumulava-se o cereal contra as paredes mais aquecidas, que são as
voltadas ao Sul, o que exercia sobre estas paredes uma pressão
suplementar; para reforço, foram criadas gigantes de cantaria na zona
inferior, que arrancam do solo e vão morrer junto à cimalha geral,
distribuídos a espaços regulares, oito em cada lado do pano central da
fachada, definido por duas pilastras.
No meio das pilastras abre-se um portal, de grande efeito
arquitectónico e por cima, sobre plataforma de cantaria apoiada em
robustas consolas divergentes, uma janela de sacada entre dois remates
piramidais adoçados à parede, parcialmente cobertos por salientes
espigas de trigo.
Embora não visível do exterior, e talvez
mais engenhoso o reforço da parede Sul do bloco Norte do edifício só
observável da passagem interior, também era utilizado para depósito do
cereal, por beneficiar do calor do sol.
Quando a utilização do
edifício mudou para a actual, os artifícios técnicos descritos perderam
todo o sentido. A passagem longitudinal média, a céu aberto, foi
coberta e alterada a disposição de alguns espaços interiores; e os
gigantes, de funcionais passaram a decorativos, numa fachada de grande
impacto visual.
Este espaço funcionava como
depósito obrigatório, mercado regulador e alfandega de trigo e outros
cereais, proibindo-se a venda fora do terreno, sob pena de multa e de
açoites com baraço e pregão. O «CELEIRO DE PORTUGAL», assim lhe chamou o padre «DUARTE DE SANDE», na centúria de quinhentos, não deixando de enaltecer a mestria das padeiras alfacinhas e o «SABOR FINÍSSIMO» do seu pão.
Não
se pode imaginar a miscelânea de gente que davam vida e cor a esta
local. Se os moços vadios e amigos do alheio que por aqui abundavam não
destoam num cenário onde outrora se realizavam «EXECUÇÕES CAPITAIS», já o mesmo não se pode dizer da convivência entre os carregadores do trigo e as centenas de «MEDIDEIRAS», que ali trabalhavam e cuja reputação deveria ser incontestável, pois teriam de ser "casadas ou viúvas honestas, mulheres de homem de idade, que não presuma delas fazerem o que não devem".
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O «CELEIRO PÚBLICO DE LISBOA» há muito que cessou a função para que foi destinado. Com o aparecimento das fábricas de Moagem e em determinada época foi o «GRÉMIO DO TRIGO» que se encarregava de gerir o cereal.
O tão falado "agasalho do pão" do tempo de «D. MANUEL I», tomou então variantes, hoje irreconhecíveis na expressão orgânica e administrativa.
Neste edifício funcionou o «MERCADO CENTRAL DE PRODUTOS AGRÍCOLAS», e recebeu obras de limpeza em 1911, tendo funcionado até Março de 1937, os seguintes serviços: «DIRECÇÃO GERAL DE PECUÁRIA»; «DIRECÇÃO GERAL DOS SERVIÇOS FLORESTAIS E AGRÍCOLAS».
A transformação do velho «TERREIRO DO TRIGO» no seu interior, esteve subordinada à «DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS», dirigida pelo arquitecto «JORGE BERMUDES» e pelo engenheiro «DÁCOME DE CASTRO». No edifício após a sua renovação, foram instaladas a «DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS» e seus serviços anexos, bem como a «GUARDA FISCAL»(1937).
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